terça-feira, 5 de agosto de 2008

Maioridade penal e a revisão urgente do art. 121 do ECA

Na legislação penal vigora o critério biológico para se aferir a capacidade do menor quanto ao entendimento e determinação do caráter ilícito do fato – isto é, basta que ele tenha menos de 18 anos que será considerado inimputável, ao passo que, pelo critério biopsicológico, é averiguado, em cada caso concreto, o amadurecimento do menor para fins de aplicação da sanção penal, equiparando-o ao maior. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a hipótese de internação do adolescente infrator, limitando esta ao prazo máximo de 3 anos ou até que o adolescente atinja a idade de 21 anos, conforme seu art. 121, parágrafos 3º e 5º. Lembremos, ainda, que o Brasil foi um dos países signatários da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, a qual fixou em 18 anos a idade para a imputabilidade penal.
De acordo com as estatísticas oficiais, os crimes praticados por menores de 18 anos representam apenas 10% do total. Essa participação de menores nas infrações se dá, em grande parte, por conta da guerra de quadrilhas e do tráfico de drogas. Apesar disso, em recente pesquisa, realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), ficou claro que 57,4% dos nossos juízes são favoráveis à redução de 18 para 16 anos da maioridade penal, dados que foram lamentados por estudiosos e pesquisadores do Direito, além de sociólogos e pesquisadores dos institutos de pesquisa das causas da violência.
POR QUE OS JUIZES ESTÃO CERTOS?
Vivemos em um "direito penal espasmódico", em que novas leis são imaginadas sempre que acontece um fato que indigna a opinião pública. Boa parte da doutrina explica a inimputabilidade dos menores de 18 anos como uma presunção absoluta da lei de que as pessoas, nessa faixa etária, têm desenvolvimento mental incompleto (critério biológico), por não haverem incorporado inteiramente as regras de convivência da sociedade. Tal argumento nunca foi comprovado pela ciência psiquiátrica. Ao contrário, a evolução da sociedade moderna tem possibilitado a compreensão cada vez mais precoce dos fatos da vida. Trata-se, na verdade, de uma ficção jurídica ditada por uma necessidade político-criminal: tratar os menores de acordo com sua específica condição etária e psicológica. É uma conseqüência do princípio da isonomia: os iguais devem ser tratados igualmente, e os desiguais, desigualmente. advogar a pura e simples diminuição da maioridade penal esbarra em dois seriíssimos entraves: primeiramente, a previsão constitucional de inimputabilidade do menor de 18 anos é um direito individual do menor, sendo, portanto, cláusula pétrea que não pode ter seu alcance restringido, nos termos do art. 60, § 4°, IV, da Constituição. Em segundo lugar, deve-se considerar também a total ineficácia dessa providência, pois os menores entre 12 e 17 anos recebem sanções da mesma natureza daquelas previstas no Código Penal. Nesse sentido, é o magistério de José Heitor dos Santos: "Vale lembrar, nesse particular, que a internação em estabelecimento educacional, a inserção em regime de semi-liberdade, à liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade, algumas das medidas previstas no Estatuto da Criança e do adolescente (art. 112), são iguais ou muito semelhantes àquelas previstas no Código Penal para os adultos que são: prisão, igual à internação do menor; regime semi-aberto, semelhante à inserção do menor em regime de semi-liberdade; prisão albergue ou domiciliar, semelhante a liberdade assistida aplicada ao menor; prestação de serviços à comunidade, exatamente igual para menores e adultos." Há, porém, dois dispositivos do ECA que precisam ser urgentemente revistos, pois tutelam de modo desproporcional os menores de alta periculosidade, deixando a sociedade desprotegida. O primeiro deles limita o tempo de internação a três anos (art. 121, § 3°), período por demais breve tratando-se de crimes graves, como homicídio, extorsão mediante seqüestro e estupro, todos com penas que podem chegar a 30 anos. O segundo (o § 5° do mesmo artigo) prevê que "a liberação será compulsória aos 21 anos". Ora, alguém que lograsse escapar da ação da polícia, seria automaticamente "anistiado" quando completasse 21 anos, constituindo um completo absurdo. Além disso, um ponto que tem passado à margem das discussões jurídicas é a interface entre a psicopatia e a menoridade. Em nossa obsessão em ressocializar e reeducar (de preferência de forma rápida – no máximo três anos), esquecemos do simples fato de que existem limites a esse objetivo; como existem, aliás, em qualquer empreendimento humano. Algumas pessoas simplesmente não são "ressocializáveis" ou "reeducáveis", pois portam transtornos mentais que requerem tratamento socioterápico especializado. Dentre esses transtornos, avulta-se a psicopatia, caracterizada por: "Diminuída capacidade para remorso, frieza emocional, pobre controle de impulsos e reincidência criminal. Isso leva à ausência de identificação e desconforto com o medo e o sofrimento de outras pessoas, assim como ausência de sentimentos de culpa". Existem pesquisas indicando a existência de alto índice de psicopatia entre adolescentes que cometem crimes violentos. Além disso, os portadores desse distúrbio têm "resposta insatisfatória aos tratamentos disponíveis". Nessa situação, deve-se optar pelo tratamento padrão dado aos semi-imputáveis e inimputáveis: aplicação de medida de segurança por tempo indeterminado, permanecendo o criminoso preso até que cesse sua periculosidade. Assim, a presença de psicopatia determinaria qual o melhor tratamento a ser dado aos adolescentes infratores.

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